domingo, 27 de setembro de 2009

... Poemas Florbela Espanca - Trocando Olhares ...


Vulcões [04/05/1916]

Tudo é frio e gelado. O gume dum punhal

Não tem a lividez sinistra da montanha

Quando a noite a inunda dum manto sem igual

De neve branca e fria onde o luar se banha.

No entanto que fogo, que lavas, a montanha

Oculta no seu seio de lividez fatal!

Tudo é quente lá dentro…e que paixão tamanha

A fria neve envolve em seu vestido ideal!

No gelo da indiferença ocultam-se as paixões

Como no gelo frio do cume da montanha

Se oculta a lava quente do seio dos vulcões…

Assim quando eu te falo alegre, friamente,

Sem um tremor de voz, mal sabes tu que estranha

Paixão palpita e ruge em mim doida e fremente!

Doce Certeza [06/06/1916]

Por essa vida fora hás-de adorar

Lindas mulheres, talvez; em ânsia louca,

Em infinito anseio hás de beijar

Estrelas d´ouro fulgindo em muita boca!

Hás de guardar em cofre perfumado

Cabelos d´ouro e risos de mulher,

Muito beijo d´amor apaixonado;

E não te lembrarás de mim sequer…

Hás de tecer uns sonhos delicados…

Hão de por muitos olhos magoados,

Os teus olhos de luz andar imersos!…

Mas nunca encontrarás p´la vida fora,

Amor assim como este amor que chora

Neste beijo d´amor que são meus versos!…

Maior Tortura

Na vida, para mim, não há deleite.

Ando a chorar convulsa noite,

E não tenho nem sombra em que me acoite,

E não tenho uma pedra em que me deite!

Ah! Toda eu sou sombras, sou espaços!

Perco-me em mim na dor de ter vivido!

E não tenho a doçura duns abraços

Que me façam sorrir de ter nascido!

Sou como tu um cardo desprezado

A urze que se pisa sob os pés,

Sou como tu um riso desgraçado!

Mas a minha Tortura inda é maior:

Não ser poeta assim como tu és

Para concretizar a minha Dor!


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