domingo, 30 de agosto de 2009

Poemas 2 [Florbela Espanca]

Lágrimas ocultas

Se me ponho a cismar em outras eras

Em que ri e cantei, em que era querida,

Parece-me que foi noutras esferas,

Parece-me que foi numa outra vida...

E a minha triste boca dolorida,

Que dantes tinha o rir das primaveras,

Esbate as linhas graves e severas

E cai num abandono de esquecida!

E fico, pensativa, olhando o vago...

Toma a brandura plácida dum lago

O meu rosto de monja de marfim...

E as lágrimas que choro, branca e calma,

Ninguém as vê brotar dentro da alma!

Ninguém as vê cair dentro de mim!


A vida

É vão o amor, o ódio, ou o desdém;

Inútil o desejo e o sentimento...

Lançar um grande amor aos pés de alguém

O mesmo é que lançar flores ao vento!

Todos somos no mundo >,

Uma alegria é feita dum tormento,

Um riso é sempre o eco dum lamento,

Sabe-se lá um beijo de onde vem!

A mais nobre ilusão morre... desfaz-se...

Uma saudade morta em nós renasce

Que no mesmo momento é já perdida...

Amar-te a vida inteira eu não podia.

A gente esquece sempre o bem de um dia.

Que queres, meu Amor, se é isto a vida!


O Meu Impossível

Minhalma ardente é uma fogueira acesa,

É um brasido enorme a crepitar!

Ânsia de procurar sem encontrar

A chama onde queimar uma incerteza!

Tudo é vago e incompleto! E o que mais pesa

É nada ser perfeito. É deslumbrar

A noite tormentosa até cegar,

E tudo ser em vão! Deus, que tristeza!...

Aos meus irmãos na dor já disse tudo

E não me compreenderam!... Vão e mudo

Foi tudo o que entendi e o que pressinto...

Mas se eu pudesse a mágoa que em mim chora

Contar, não a chorava como agora,

Irmãos, não a sentia como a sinto!...





Poemas 1 [Florbela Espanca]

Nunca Fui

Nunca fui como todos

Nunca tive muitos amigos

Nunca fui favorita

Nunca fui o que meus pais queriam

Nunca tive alguém que amasse

Mas tive somente a mim

A minha absoluta verdade

Meu verdadeiro pensamento

O meu conforto nas horas de sofrimento

Não vivo sozinha porque gosto

E sim porque aprendi a ser só...


Eu...

Eu sou a que no mundo anda perdida,

Eu sou a que na vida não tem norte,

Sou a irmã do Sonho, e desta sorte

Sou a crucificada... a dolorida...

Sombra de névoa tênue e esvaecida,

E que o destino amargo, triste e forte,

Impele brutalmente para a morte!

Alma de luto sempre incompreendida!...

Sou aquela que passa e ninguém vê...

Sou a que chamam triste sem o ser...

Sou a que chora sem saber por quê...

Sou talvez a visão que Alguém sonhou,

Alguém que veio ao mundo pra me ver,

E que nunca na vida me encontrou!


Tortura

Tirar dentro do peito a Emoção,

A lúcida verdade, o Sentimento!

-- E ser, depois de vir do coração,

Um punhado de cinza esparso ao vento!...

Sonhar um verso de alto pensamento,

E puro como um ritmo de oração!

-- E ser, depois de vir do coração,

O pó, o nada, o sonho dum momento...

São assim ocos, rudes, os meus versos:

Rimas perdidas, vendavais dispersos,

Com que eu iludo os outros, com que minto!

Quem me dera encontrar o verso puro,

O verso altivo e forte, estranho e duro,

Que dissesse, a chorar, isto que sinto!!