sábado, 10 de outubro de 2009

... Embriaguez ...


Desejo embriagar meus pensamentos como estão embriagados meus sentimentos...

Hei de ter um momento de paz...

Nada me satisfaz...

Nada me empolga...

Nada me altera...

Este furacão não vai embora...

¿Eu o deixo ir embora?

Já não o sei mais... ou talvez sim!

Estou exausta!

Será que minha resistência a esse mundo interno vai chegar ao fim em breve?

Talvez eu complique demais...

Pense demais...

Espere demais...

Aposte demais...

Sonhe demais...

Sofra demais...

Estou embriagada de sentimentos... E não sei mais como me libertar disso tudo!

[Mario Quintana]



OS DEGRAUS

Não desças os degraus do sonho

Para não despertar os monstros.

Não subas aos sótãos – onde

Os deuses, por trás das suas máscaras,

Ocultam o próprio enigma.

Não desças, não subas, fica.

O mistério está é na tua vida!

E é um sonho louco este nosso mundo...

Mario Quintana - Baú de Espantos



SEMPRE QUE CHOVE

Sempre que chove

Tudo faz tanto tempo...

E qualquer poema que acaso eu escreva

Vem sempre datado de 1779!

Mario Quintana - Preparativos de Viagem



PRESENÇA

É preciso que a saudade desenhe tuas linhas perfeitas,

teu perfil exato e que, apenas, levemente, o vento

das horas ponha um frêmito em teus cabelos...

É preciso que a tua ausência trescale

sutilmente, no ar, a trevo machucado,

as folhas de alecrim desde há muito guardadas

não se sabe por quem nalgum móvel antigo...

Mas é preciso, também, que seja como abrir uma janela

e respirar-te, azul e luminosa, no ar.

É preciso a saudade para eu sentir

como sinto - em mim - a presença misteriosa da vida...

Mas quando surges és tão outra e múltipla e imprevista

que nunca te pareces com o teu retrato...

E eu tenho de fechar meus olhos para ver-te.

Mario Quintana



Canção da garoa

Em cima do telhado

Pirulin lulin lulin,

Um anjo, todo molhado,

Soluça no seu flautim.

O relógio vai bater:

As molas rangem sem fim.

O retrato na parede

Fica olhando para mim.

E chove sem saber porquê

E tudo foi sempre assim!

Parece que vou sofrer:

Pirulin lulin lulin...

Mario Quintana



O morto

Eu estava dormindo e me acordaram

E me encontrei, assim, num mundo estranho e louco...

E quando eu começava a compreendê-lo

Um pouco,

Já eram horas de dormir de novo!

Mario Quintana - Apontamentos de História Sobrenatural


A COISA

A gente pensa uma coisa, acaba escrevendo outra e o leitor entende uma terceira coisa... e, enquanto se passa tudo isso, a coisa propriamente dita começa a desconfiar que não foi propriamente dita.

Mario Quintana - Caderno H



AS INDAGAÇÕES

A resposta certa, não importa nada: o essencial é que as perguntas estejam certas.

Mario Quintana - Caderno H






INSCRIÇÃO PARA UM PORTÃO DE CEMITÉRIO

Na mesma pedra se encontram,

Conforme o povo traduz,

Quando se nasce - uma estrela,

Quando se morre - uma cruz.

Mas quantos que aqui repousam

Hão de emendar-nos assim:

"Ponham-me a cruz no princípio...

E a luz da estrela no fim!"

Mario Quintana - A Cor do Invisível


A canção da vida

A vida é louca

a vida é uma sarabanda

é um corrupio...

A vida múltipla dá-se as mãos como um bando

de raparigas em flor

e está cantando

em torno a ti:

Como eu sou bela

amor!

Entra em mim, como em uma tela

de Renoir

enquanto é primavera,

enquanto o mundo

não poluir

o azul do ar!

Não vás ficar

não vás ficar

aí...

como um salso chorando

na beira do rio...

(Como a vida é bela! como a vida é louca!)

Mario Quintana - Esconderijos do Tempo